No final do mês de setembro dei entrada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado em projeto de lei para restringir a venda e o consumo de bebidas alcoólicas, além de alterar a Lei nº 9.294, visando ampliar as restrições à propaganda de bebidas e modificar algumas disposições relativas às advertências sobre seu consumo. Fui alertada na ocasião de que o debate em torno de leis que buscam restringir a ação da indústria de bebidas é sempre polêmico e tem gerado algumas confusões conceituais em alguns setores da opinião pública. Os publicitários têm observado que iniciativas desse gênero podem sugerir tentativa de restringir a liberdade de expressão e tolher o direito do consumidor de exercer o livre arbítrio nas suas escolhas pessoais.
O projeto que estou propondo, contudo, não pretende seguir caminhos tortuosos, mas sim colocar uma questão fundamental para ser discutida entre os membros ativos da sociedade, sem qualquer falso moralismo. Trata-se, acima de tudo, de estabelecer regras e critérios que possam proteger socialmente as crianças, os adolescentes e também os adultos, criando um ambiente de conscientização sobre o uso de bebidas, mostrando que o álcool pode significar mais do que festa e recreação.
Para imaginar o que esse tema significa na atualidade basta imaginar que nos últimos 20 anos uma geração inteira introjetou na sua cultura do dia-a-dia, principalmente pela via da publicidade (à semelhança dos cigarros) que o uso de bebidas era algo inofensivo e também o caminho mais curto e rápido para ser feliz na vida.
Quantas e quantas vezes crianças e adolescentes assistiram pela TV peças publicitárias de cerveja, uísque, aguardente de cana, e outros que estabeleciam a livre e imediata associação entre esses produtos e os prazeres do bem-viver. Resultado: "esqueceram-se" de mostrar que as bebidas provocam doenças graves, causam acidentes de trânsito, elevam os índices de violência e criminalidade e induzem ao uso de outras drogas mais pesadas.
Não se pode esquecer que, mesmo que o produto seja legal e também socialmente aceito, o álcool é uma droga perigosa. As bebidas afetam uma ampla faixa etária da população: seus efeitos crônicos (cirrose, câncer de fígado, etc.) são mais evidentes em pessoas de idade mais avançada, enquanto os eventos violentos associados à intoxicação alcoólica (acidentes de trânsito, homicídios, violência doméstica) provocam mortes e sequelas em idades relativamente baixas, resultando na perda de muitos anos potenciais de vida ou em incapacidades permanentes.
Ressalte-se que, aproximadamente, metade dos danos decorrentes do consumo de bebidas alcoólicas está associada ao uso por pessoas que bebem de maneira moderada e só eventualmente embriagam-se. Nessa categoria, os adolescentes respondem por uma parcela desproporcionalmente elevada de eventos adversos, a exemplo dos acidentes automobilísticos.
O alcoolismo (a terceira doença que mais mata no mundo) impacta, dessa maneira, as despesas do Sistema Único de Saúde (SUS) de maneira preocupante. Segundo dados do Ministério da Saúde, no Brasil, 90% das internações em hospitais psiquiátricos por dependência de drogas referem-se a pacientes alcoólatras. Anualmente, o Governo gasta mais de R$ 180 milhões para tratar dependentes do álcool.
As conclusões mais importantes das pesquisas científicas sobre problemas relacionados ao consumo de álcool referem-se ao fato de que as políticas públicas voltadas para sua prevenção não podem ser direcionadas apenas aos dependentes e aos bebedores pesados. O álcool afeta toda a sociedade, direta ou indiretamente, por isso as medidas preventivas com maior probabilidade de sucesso devem ser voltadas para todos os consumidores da bebida e não somente para os bebedores mais problemáticos.
Em Campo Grande, em 2003, foi implantada a Lei Seca para coibir o abuso do uso do álcool. No período em que a legislação foi aplicada efetivamente (no período compreendido entre 2003 e 2006) registrou-se uma queda de 17% no número de assassinatos no município.
Outro ponto importante, de acordo com levantamentos da Diretoria-Geral da Polícia Civil (DGPC), foi o de que a Lei Seca favoreceu a diminuição dos índices de violência contra a mulher. Os números apresentados apontaram uma queda no registro de ocorrências da ordem de 32%.
Em relação à propaganda, os especialistas em políticas públicas de saúde são unânimes quanto a sua influência deletéria, principalmente entre os adolescentes. No Brasil, contudo, o controle do Estado sobre a publicidade do álcool é muito frágil, visto que a lei que regula a propaganda das bebidas (Lei nº 9.294, de 15 de julho de 1996) não alcança aquelas de teor alcoólico inferior a treze graus Gay-Lussac, ou seja, as mais consumidas pela população. Dessa forma, a propaganda de cervejas, das bebidas ice e dos vinhos mais populares está isenta de controle legal.
Ainda que a propaganda dessas bebidas esteja submetida às regras do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, está claro que suas normas não são satisfatórias. Basta assistir às mensagens publicitárias veiculadas pela TV e rádio, em qualquer horário, para que comecemos a refletir melhor sobre a questão. Até mesmo os treinos da seleção brasileira de futebol têm placas publicitárias com anúncios de cervejas. Não podemos continuar tolerando essa ubiqüidade da propaganda do álcool em nossas vidas. O assunto precisa urgentemente ser debatido e repensado em todas as suas dimensões.
(*) Marisa Serrano é senadora pelo PSDB do Mato Grosso do Sul.
O projeto que estou propondo, contudo, não pretende seguir caminhos tortuosos, mas sim colocar uma questão fundamental para ser discutida entre os membros ativos da sociedade, sem qualquer falso moralismo. Trata-se, acima de tudo, de estabelecer regras e critérios que possam proteger socialmente as crianças, os adolescentes e também os adultos, criando um ambiente de conscientização sobre o uso de bebidas, mostrando que o álcool pode significar mais do que festa e recreação.
Para imaginar o que esse tema significa na atualidade basta imaginar que nos últimos 20 anos uma geração inteira introjetou na sua cultura do dia-a-dia, principalmente pela via da publicidade (à semelhança dos cigarros) que o uso de bebidas era algo inofensivo e também o caminho mais curto e rápido para ser feliz na vida.
Quantas e quantas vezes crianças e adolescentes assistiram pela TV peças publicitárias de cerveja, uísque, aguardente de cana, e outros que estabeleciam a livre e imediata associação entre esses produtos e os prazeres do bem-viver. Resultado: "esqueceram-se" de mostrar que as bebidas provocam doenças graves, causam acidentes de trânsito, elevam os índices de violência e criminalidade e induzem ao uso de outras drogas mais pesadas.
Não se pode esquecer que, mesmo que o produto seja legal e também socialmente aceito, o álcool é uma droga perigosa. As bebidas afetam uma ampla faixa etária da população: seus efeitos crônicos (cirrose, câncer de fígado, etc.) são mais evidentes em pessoas de idade mais avançada, enquanto os eventos violentos associados à intoxicação alcoólica (acidentes de trânsito, homicídios, violência doméstica) provocam mortes e sequelas em idades relativamente baixas, resultando na perda de muitos anos potenciais de vida ou em incapacidades permanentes.
Ressalte-se que, aproximadamente, metade dos danos decorrentes do consumo de bebidas alcoólicas está associada ao uso por pessoas que bebem de maneira moderada e só eventualmente embriagam-se. Nessa categoria, os adolescentes respondem por uma parcela desproporcionalmente elevada de eventos adversos, a exemplo dos acidentes automobilísticos.
O alcoolismo (a terceira doença que mais mata no mundo) impacta, dessa maneira, as despesas do Sistema Único de Saúde (SUS) de maneira preocupante. Segundo dados do Ministério da Saúde, no Brasil, 90% das internações em hospitais psiquiátricos por dependência de drogas referem-se a pacientes alcoólatras. Anualmente, o Governo gasta mais de R$ 180 milhões para tratar dependentes do álcool.
As conclusões mais importantes das pesquisas científicas sobre problemas relacionados ao consumo de álcool referem-se ao fato de que as políticas públicas voltadas para sua prevenção não podem ser direcionadas apenas aos dependentes e aos bebedores pesados. O álcool afeta toda a sociedade, direta ou indiretamente, por isso as medidas preventivas com maior probabilidade de sucesso devem ser voltadas para todos os consumidores da bebida e não somente para os bebedores mais problemáticos.
Em Campo Grande, em 2003, foi implantada a Lei Seca para coibir o abuso do uso do álcool. No período em que a legislação foi aplicada efetivamente (no período compreendido entre 2003 e 2006) registrou-se uma queda de 17% no número de assassinatos no município.
Outro ponto importante, de acordo com levantamentos da Diretoria-Geral da Polícia Civil (DGPC), foi o de que a Lei Seca favoreceu a diminuição dos índices de violência contra a mulher. Os números apresentados apontaram uma queda no registro de ocorrências da ordem de 32%.
Em relação à propaganda, os especialistas em políticas públicas de saúde são unânimes quanto a sua influência deletéria, principalmente entre os adolescentes. No Brasil, contudo, o controle do Estado sobre a publicidade do álcool é muito frágil, visto que a lei que regula a propaganda das bebidas (Lei nº 9.294, de 15 de julho de 1996) não alcança aquelas de teor alcoólico inferior a treze graus Gay-Lussac, ou seja, as mais consumidas pela população. Dessa forma, a propaganda de cervejas, das bebidas ice e dos vinhos mais populares está isenta de controle legal.
Ainda que a propaganda dessas bebidas esteja submetida às regras do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, está claro que suas normas não são satisfatórias. Basta assistir às mensagens publicitárias veiculadas pela TV e rádio, em qualquer horário, para que comecemos a refletir melhor sobre a questão. Até mesmo os treinos da seleção brasileira de futebol têm placas publicitárias com anúncios de cervejas. Não podemos continuar tolerando essa ubiqüidade da propaganda do álcool em nossas vidas. O assunto precisa urgentemente ser debatido e repensado em todas as suas dimensões.
(*) Marisa Serrano é senadora pelo PSDB do Mato Grosso do Sul.